Por Giulia Bucheroni, Terra da Gente
Em 15/06/2021
Nova espécie de orquídea é descoberta no Arquipélago de Alcatrazes em São Paulo.
Principal comprovação da nova identificação é a incapacidade da planta em se reproduzir com orquídeas similares que existem no continente.
Em 1835 Charles Darwin percebeu que as ilhas abrigam espécies exclusivas, diferente das que ocorrem nos continentes, e que a origem delas é resultado das adaptações necessárias para sobreviver às condições do ambiente isolado. Desde então, pesquisadores se dedicam a estudos sobre a variedade de fauna e flora típicas das ilhas de todo o mundo.
Pouco comum, porém, é constatar o surgimento de uma nova espécie acompanhando as primeiras mudanças genéticas dela, ainda imperceptíveis visualmente. E é exatamente isso que pesquisadores do Instituto de Biologia da Unicamp têm feito com uma espécie de orquídea.
“Há alguns anos ficamos sabendo que a orquídea Epidendrum fulgens, bastante comum no litoral de São Paulo, ocorria também no Arquipélago de Alcatrazes (SP). Uma equipe de pesquisadores viajou até a ilha e trouxe amostras dessa planta, que eu cultivei em estufas e hoje fazem parte da coleção da universidade. A ideia era fazer o cruzamento entre plantas do continente e plantas da ilha e avaliar a capacidade reprodutiva entre elas”, conta Fabio Pinheiro, biólogo e pesquisador do Departamento de Biologia Vegetal da Unicamp.
“Nosso estudo foi o primeiro que realmente testou se os organismos eram capazes de se reproduzir com parentes do continente. Esse é um ponto determinante da formação de novas espécies, chamado de isolamento reprodutivo”
— Fabio Pinheiro, biólogo
O teste foi crucial para dar início às investigações sobre uma nova espécie. “Afinal, a gente sabe que quando uma espécie está se formando, a primeira característica que surge é a incapacidade de se reproduzir com outras populações”, diz.
Os resultados animaram Fabio e Giovanna Veiga, aluna de iniciação científica do Laboratório de Ecologia Evolutiva do Instituto de Biologia. “Para a nossa surpresa elas não conseguiam mais se reproduzir. Ficamos bem contentes com o resultado, pois detectamos o surgimento de uma nova espécie na fase inicial do processo, antes mesmo de se diferenciarem morfologicamente”, comenta.
“Essa descoberta é muito interessante porque a partir dela conseguimos monitorar e descobrir quais elementos da paisagem e quais elementos geográficos podem influenciar na formação de uma nova planta”, reforça Fabio.
Sem prazo para acabar
Como o processo de formação de uma nova espécie é demorado – podendo levar milhares de anos; os pesquisadores certamente não acompanharão toda a evolução da orquídea, mas os registros científicos desse e dos próximos anos de estudos serão cruciais para o futuro da ciência, principalmente no quesito isolamento reprodutivo e surgimento de novas espécies.
“A próxima etapa é entender os motivos que impedem a reprodução da espécie com as do continente. Há hipóteses de que as plantas da ilha podem ter metabolismo diferentes, polinizadores diferentes, podem captar a luz do sol de maneiras distintas, assim como se reproduzir de outra forma. A incapacidade de reprodução é suficiente para a descrição de uma nova espécie, mas estamos formalizando essa descrição com mais dados e informações”, explica Fabio, que destaca ainda a importância de estudos como esse para além da comunidade científica.
“Nós fazemos pesquisas assim para que a sociedade saiba mais sobre o que existe ao redor e conheça exatamente a diversidade que nos cerca. Para isso, é importante quantificar as espécies que ocorrem em todo o País, inclusive nas ilhas. Certamente existem outras plantas e animais esperando ser estudados”, completa.
Orquídea de praia
A espécie de orquídea estudada pelos pesquisadores é abundante em todo trecho de litoral com restinga, desde Paraty, Rio de Janeiro até Pelotas no Rio Grande do Sul.
Além da coloração laranja, a flor chama atenção por nascer e crescer na areia, diferente de outras espécies de orquídeas que costumam se fixar nas árvores. “As borboletas são as principais polinizadoras dessa espécie, que não é muito usada como planta ornamental”, comenta Fabio.
Endêmica do Brasil, a espécie não corre risco de extinção no continente, mas o fato de haver uma ‘parente’ exclusiva em Alcatrazes acende um alerta sobre a conservação.
“No continente a orquídea sofre ameaça somente quando a praia é urbanizada. Já na ilha, por ser um ambiente restrito e uma área pequena, qualquer interferência pode fazer com que a planta desapareça facilmente. As populações são muito pequenas, formadas por algumas dezenas de plantas. Esses organismos de ilha são muito sensíveis. Se desaparecerem dali não vão existir outras fontes para recolonizar o local."
— Fabio Pinheiro, biólogo
Início demorado
Apesar dos pesquisadores constatarem ainda no início a formação de uma nova espécie, esse processo começou há milhares de anos. “Sabemos que há 20 mil anos o nível do mar era mais baixo que o atual e, por isso, Alcatrazes estava conectado ao continente. Conforme esse nível foi subindo, há cerca de 10 mil anos, ele se isolou como ilha. O que justifica o fato de abrigar uma população da Epidendrum fulgens”, finaliza.
Orquídeas da Ilha do Cardoso, SãoPaulo em 29/05/2021 - Fotos: Denise Lobo