quarta-feira, 16 de maio de 2012

Recordações perfumadas

   Nunca vou me esquecer do cheiro de pitanga que tinha na minha casa. Aquele frutinho tão pequeno e delicado, vermelho, que eu mais cheirava do que comia.
   Por alguma razão que não sei explicar, não consigo cultivar mais pitangueiras. Já plantei várias, mas elas morrem, mesmo sendo nativas da minha região. E minha memória insiste e exige que eu tente novamente.
   Cada um de nós tem suas recordações ligadas a cheiros. Logo que comprei minha casa de campo, plantei uma dama-da-noite. Ela cresceu rápido, meio esgalhada como é típico da espécie. Ao passar por ela, bate aquela fragrância que deixa a gente até meio zonza. Damas-da-noite têm de ser assim, sempre na passagem para a gente receber o impacto, se encantar e ir embora. Senão, enjoa.
   Os odores são essenciais e acompanham o ser humano desde sempre. Queimar ervas perfumadas para adorar aos deuses é uma prática que ninguém mais sabe como começou. Até hoje, nas missas da Igreja Católica, a mirra (sim, vem de uma planta, a Commiphora myrrha) é um incenso queimado no turíbulo como uma forma de elevar as orações dos fiéis aos céus.
   A mulher que quer enfeitiçar seu amado faz questão de sempre usar um perfume especial para que nunca seja esquecida. Os aromas despertam instintos. Por isso, ao usar plantas perfumadas no seu jardim, seja sutil. Coloque um manacá aqui, um jasmim ali, um resedá acolá, de tal forma que cada cantinho tenha um cheiro próprio.
   Quando a via mudar - tenha certeza que a vida sempre muda - e você estiver em outro jardim de um tempo que ainda virá, ao sentir aquele cheiro, vai se lembrar da fase da vida que vive atualmente. E terá muitas boas lembranças.

Texto extraído do livro: O poder do jardim
Autor: Roberto Araújo
Editora Europa

domingo, 6 de maio de 2012

Reinvente todo dia

          Renovar o jardim inteiro é bom. Mas o melhor mesmo é nunca deixar chegar a um ponto que seu olhar já viu, pesquisou e descobriu tudo o que tinha para curtir na sua paisagem. Ou seja, arrume sempre uma novidade.
          Pode ser uma nova planta bem bonita em um lugar de destaque, um quiosque, uma reforma na piscina, novos vasos na varanda; qualquer uma dessas idéias pode modificar seu olhar, dar novo gosto ao seu jardim. É rápido, fácil e de resultados surpreendentes.
          Quem gosta mesmo de pensar e de cuidar do seu jardim não deixa jamais que ele se banalize. Entende que o jardim nunca fica pronto, e o tempo inteiro pensa em novidades, faz reformas, retira o que não deu certo, tenta novas experiências, se diverte e, acima de tudo, vê suas fantasias realizadas. Deixa-se apaixonar por um pândano, mas não compra de imediato. Antes, namora, pensa e fantasia como ele ficaria aqui ou acolá. Até o grande dia em que ele chega, é plantado, saudado, iluminado e, quem sabe, até brindado com uma taça de vinho.
          Quer saber? Claro que tudo isso vale também para relacionamentos. A gente repete comportamentos em tudo o que faz. Fica claro que sou daqueles que preferem alterar o jardim o tempo inteiro do que arrancar tudo e começar do zero. Como também prefiro cuidar dos meus amores, sempre acrescentando novidades, do que ficar no mesmo reme-reme até dar vontade de chutar tudo para o ar.
          Acredito que quem não se reinventa de tempos em tempos acaba cansando a si mesmo e a quem está por perto. A capacidade de imaginar, brincar e realizar é que permite a emoção do novo. E é essa renovação que dá graça à vida e aos jardins.

Texto extraído do livro "O poder do jardim"
Autor: Roberto Araújo
Editora Europa